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Sim, estou a publicar este post quase 4 meses depois da prova. Até para os meus parâmetros é muito tempo. A verdade é que já tinha grande parte deste texto escrito à algum tempo, mas não me apeteceu publicar. Queria fixar esta memória com um último paragrafo de esperança e optimismo. E este fim de semana, no regresso aos trilhos em Sintra, consegui finalmente escrever esse final...
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Os Abutres não querem, definitivamente,nada comigo. Mais um ano, mais uma prova, mais um DNF...
Terá sido a prova que comecei com mais receio, medo até. Depois da experiência do ano passado, tudo me acagaçava, e, ainda não estando completamente recuperado dos entorses crónicos do pé esquerdo, o receio de ficar pelo caminho era bem fundado. Mas nenhum dos cenários de tragédia e horror que pintei nos dias anteriores me poderia preparar para o que me aconteceu naquela fatídica prova.
A foto que já é um clássico em Miranda do Corvo... |
A coisa até começou bem. A chuva e mau tempo deram uma trégua e seria quase impossível ter melhores condições meteorológicas. Saímos de véspera, como o ano passado, e ainda deu para irmos comer uma chanfana no restaurante do costume. Parecia que Monsanto se tinha mudado para Miranda do Corvo, tantas eram as caras conhecidas. A excitação era tamanha que desta vez a noite no solo duro foi quase em branco, mas às 8 horas em ponto estávamos prontos para mais uma aventura. No meu caso, micro aventura.
É curioso como podemos passar dias, semanas até meses sem que nos aconteça nada que verdadeiramente mereça registo na nossa memória. E depois, no espaço de um segundo tudo pareça que vai desabar em cima nas nossas cabeças.
Ainda no inicio. Como sei? Ainda estou a correr... |
Comecei a prova como no Vicentino, sem me preocupar em seguir ninguém e com super cuidado onde metia os pés. Quis o destino que por acaso não tenha andado muito longe de alguns dos elementos da pandilha. E foi o que me valeu quando aos 30 minutos de prova e ao tocar do 5km, cai. No exacto momento em que bato no chão sei que a minha prova acabou ali, e as primeiras lágrimas são pela frustração de mais uma vez ir ficar pelo caminho, as seguintes já são mais físicas...
As quedas são geralmente estúpidas, mas esta foi particularmente idiota. Ainda quase dentro de Miranda, num acesso de cimento algo inclinado a umas garagens, sinto alguém a escorregar nas minhas costas, olho para trás sem parar e quando estou com o corpo torcido escorregam-me ambos os pés e caio completamente de lado sobre o braço direito e a testa.
Segundos após a queda já com o Miguel a dar os primeiros socorros. |
Não me lembro de exactamente tudo o que se passou a seguir, mas lembro-me de, ao me ajudarem a endireitar, o braço ficar pendido e ter aquela horrível sensação de na nossa cabeça o braço estar numa determinada posição e quando olhamos está completamente noutra... E claro, depois sentir o osso a mexer dentro do bicipede...
Felizmente tínhamos acabado de passar por um jipe da organização e, com a ajuda preciosa do Miguel Serradas, lá fizemos os 400m em sentido contrário. Aqueles metros terão sido das coisas mais angustiantes que alguma fiz em provas. Entre as dores, a interiorização que a prova tinha acabado e o passar em sentido contrário por centenas de atletas... Mais uma vez valeu o Miguel que qual GNR num local de acidente, exortava o pessoal seguir: "Tá tudo bem, nada aqui para ver."
Entregue ao pessoal da organização lá convenci o Miguel a continuar, e foi com grande alegria que ao final do dia fiquei a saber que tinha terminado. Fui rapidamente transportado para o Hospital de Coimbra e depois de algumas situações caricatas lá tive o diagnóstico, fractura do úmero. Quando dei entrada na urgência não devem ter acreditado que tinha o braço partido e devido ao corte no sobreolho mandaram-me para a cirurgia estética. Depois do que na altura me pareceu uma eternidade, fui atendido por uma estagiária, que, após estar 5 minutos a olhar para mim sem saber muito bem o que fazer decide auscultar-me. Os meus gritos de "PODE CORTAR! PODE CORTAR" quando ela me tentava despir o corta-vento devem ter chamado a atenção de um médico mais sénior que de imediato mandou darem-me uma injecção para as dores e levar-me para o raio-x. No raio-x, as técnicas ficaram muito preocupadas com uma massa muito densa que tinha no peito... Nota, quando forem tirar raios-x lembrem-se de tirar a banda cardíaca... Quando finalmente chego à ortopedia e começam a engessar-me o braço fico aliviado, até me explicarem que devido à localização da fractura terei de ser operado e que o gesso é só para me imobilizar.
Chamemos-lhe "Nu com gesso e calções de compressão" |
Mas a minha "ultra" ainda estava a começar. Foram precisas mais de 12 horas, 3 hospitais e outras tantas ambulâncias para finalmente chegar ao local onde, 3 dias depois, viria a ser operado. E digo já, que passar um dia à espera, deprimido, com dores, em tronco nu, vestido apenas com calções de compressão e sapatilhas enlameadas nos corredores de hospitais testa a paciência de qualquer um.
A operação correu bem e devo ter saído com mais juízo pois ganhei 12 novos parafusos, para além de uma cicatriz sexy de 30cm. Nunca tinha estado hospitalizado mas a verdade é que fui muito bem tratado no Hospital de Sant'ana na Parede.
Não, não tenho uma centopeia agarrada ao osso, é mesmo uma placa e 12 parafusos! |
Os últimos meses têm sido de recuperação e embora só tenha estado "parado" 6 semanas foi o suficiente para perder completamente a forma. Só para terem uma noção, nessas 6 semanas, sem praticamente sair de casa e a comer como se tivesse uma dispensa na divisão ao lado, perdi 4kg... Os pouquinhos músculos que tinha evaporaram-se. A primeira corrida que dei pensei seriamente que o coração me ia saltar do peito, a correr a mais de 5min/km, no passeio marítimo...
Este reset forçado acabou também por proporcionar um descanso à cabeça. A verdade é que desde que comecei a correr, em 2010, nunca tinha estado parado mais que alguns dias. Vou dizer uma blasfémia, mas tem sabido tão bem ficar na cama ao Domingo de manhã... (pelo menos até a Mafalda acordar às 8h da manhã, é a loucura). Durante este tempo fiquei-me pelo alcatrão, aumentado muito progressivamente o ritmo mas muito raramente saindo da zona de conforto.
A semana passada fui à última consulta de acompanhamento da cirurgia e o médico deu-me "alta"! Ok, o osso está consolidado mas a recuperação total irá levar meses, pelo que tenho de ter juízo. Para comemorar fui para Sintra e nem me custou nada levantar às 6:00 de um Domingo. Foi muito bom voltar aos trilhos com os amigos. Claro que eles não tiveram este tempo a malandrar e após estar 2 horas a atrasa-los fiquei com um empeno nas coxas que até quarta-feira me obrigou a ficar na "zona de conforto".
Não sei o que se segue. Todas as provas em que estava inscrito ou tinha planeado realizar tiveram de ser canceladas. E a verdade é que por enquanto não estou nada ansioso de voltar a provas, estou bem a curtir a corrida com amigos.
Peninha - 22.05.2016 |