quinta-feira, 17 de abril de 2014

5º Trilhos do Almourol (Maratona Trail) - 06 Abril 2014

É bom para estreias, diziam eles... É rolante e tens de ter cuidado com os entusiasmos, diziam eles... São "só" 42km, diziam eles... MAS COMO É QUE EU ME DEIXEI ENGANAR DESTA MANEIRA!

Efectivamente fazer a inscrição foi um acto de insanidade, mas terminar esta prova só veio confirmar o meu louco diagnóstico.

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Toda esta prova foi concertada com o Sílvio. Foi ele que me convenceu a inscrever e seria com ele que haveria de correr a prova. Na véspera da prova a logística da deslocação para o Entroncamento foi alterada drasticamente e acabámos por ir de boléia com uns companheiros de treino de Monsanto. Foi uma viagem muito divertida, sempre na conversa sobre temas variados, ou não... ;)

Chegámos ao Pavilhão com imenso tempo e deu para ir nas calmas levantar o dorsal, o que fiz quase instantaneamente. Já se vivia um clima de festa dentro da pavilhão. 
Vamos lá começar a tirar fotos que tenho um blog para sustentar...
Depois de uma frenética demanda por um wc livre lá voltei para o carro para equipar. Verifica e torna a verificar o material para ver se não falta nada. Parece que nem toda a gente leu a parte das instruções finais sobre a necessidade de levar um copo (que depois nem foi assim tão crítico porque a organização facilitou copos de plástico). Eu não tenho nenhum copo xpto todo profissional pelo que tive de levar um da minha filha que saiu numa refeição alegre. Mas devo dizer que funcionou muito bem e não incomodou nada durante a prova.
Tcharam! E com efeito holográfico e tudo!
Já a caminho dos autocarros que nos levariam para Martinchel encontrámos a Isa e o Vitor que aguardavam o outro autocarro para Constança. O ambiente no autocarro era animado e continuámos na conversa o tempo todo. Foi aqui que, com o passar dos kms para chegar à partida, começaram as dúvidas. Todo aquele caminho de ida que confortavelmente estávamos a realizar sentadinhos, teríamos que o fazer a pé...às voltinhas no sobe e desce...

A linha de partida era o portão do Parque de Campismo da Barragem de Castelo de Bode. Entrar no parque era o controlo 0 e como ainda faltavam alguns minutos para as 10h ficámos mais uns minutos na galhofa e depois de alguma insistência lá conseguimos tirar uma foto da equipa.
A grande equipa! João, Rui, Sílvio, Eu, Nuno e o Luís
Fomos ouvir o briefing da organização onde fomos informados que devido às chuvas o percurso iria ter uma pequena alteração e que iríamos ter "alguma" lama (as aspas fui eu que coloquei). Achei imensa piada à mochila do atleta que estava à minha frente no briefing.
Alguém que leva muito a sério o cargo!
E estava na hora. O orador inicia a contagem decrescente: 5 (Epá, afinal isto não é apenas estar na galhofa com amigos)... 4 (e colocar equipamento porreiro)... 3 ( e estudar até à exaustão o perfil vertical)... 2 (se calhar ainda vou ter que correr)... 1 (isto vai doer)... Beeeeepppppp! (Vamos lá pernas eu acredito em vocês!)

Mal se dá a partida metade do grupo sai desaustinado e só os veríamos na chegada já com o banho tomado. Eu o Sílvio e o João engrenamos num passo mais reduzido e acabaríamos por fazer toda a prova juntos. Os três primeiros km são de sonho. Correr sobre o paredão da barragem e depois descer mais de 120m em alcatrão até às margens do Rio Zêzere. Sempre na galhofa e a um ritmo controlado (porque afinal estávamos a correr uma Maratona) que mesmo assim foram os km's mais rápidos de toda a prova. À medida que relógio vai marcando os km, o pensamento é: Epá, se calhar isto até se faz!
Uiiiii. Epá , isto se calhar até se faz!
Perto do 3km saímos do alcatrão e entrámos nos primeiros trilhos, e logo ao fim de alguns metros paramos perante uma fila interminável de atletas. Eu já tinha lido relatos de engarrafamentos em provas de trilhos, mas achei os mais de 15min de espera após ter corrido apenas 15min uma barbaridade. Os obstáculos eram, primeiro uma descida mais técnica para entrar no trilho e depois uma subida inclinada que tinha uma corda e um elemento da organização a ajudar. Uma ressalva, a organização esteve impecável em toda a prova. Muito bem marcada, bons abastecimentos e sinalização de perigo nas zonas mais problemáticas. No entanto, este obstáculo tão perto do inicio (principalmente porque até ali tinha sido ultra rolante) foi muito mal pensado, principalmente porque era perfeitamente evitável.
Hora de ponta em Almourol. Onde está o Wally?

A mão amiga da organização.
Os km's seguintes foram simplesmente espectaculares. Seguindo sempre por trilhos, primeiro subindo umas colinas com vistas deslumbrantes e depois descendo em direcção ao Rio Nabão que iríamos acompanhar até à foz no Zêzere. Eram trilhos algo técnicos (pelo menos para mim) que incluíam algumas subidas onde a organização tinha colocado cordas para facilitar.
"Muito rolante, cuidado com os entusiasmos"
Com as pernas frescas e o espírito embevecido comecei a cometer erros. Primeiro colocámos um ritmo demasiado rápido para a minha forma actual (só para referencia nesta altura ia acompanhando atletas que acabaram quase 1 hora antes de mim). Segundo não hidratei o suficiente, embora o céu estivesse encoberto, a humidade relativa era muito elevada e ao fim de alguns minutos estava completamente encharcado. Terceiro, falhei completamente a parte da alimentação e lá para o 11km comecei a sentir fome.
O sorriso ficou perdido entre a ordem do cérebro para os "Likes" manuais
Junto à foz do Nabão surge um dos momentos mais giros da prova, com a travessia do mesmo por uma ponte militar. Mais uma vez a organização esteve muito bem e nem faltou reportagem fotográfica!
Para a próxima vou à frente... Aquilo com os três balançava bastante...
Mas mesmo com todo o entusiasmo a progressão era tão lenta que fiquei verdadeiramente surpreso por termos levado quase 2h para chegar ao 2º abastecimento ao 12km, o primeiro com sólidos. A minha experiência neste tópico era quase inexistente pelo que considero que os abastecimentos estiveram muito bem, variados e com abundância. Como ensinamento fica a necessidade de levar salgados, estou habituado a que nas provas de estrada haja sempre isotónico o que normalmente para mim é suficiente para repor os sais perdidos, mas nestas provas para além de não existir isotónico é obrigatório fazer um reforço.
Mais um autoretrato para colorir o post e mostrar como o percurso estava bem marcado!
Seguimos caminho com o João sempre na dianteira e rapidamente ultrapassamos o pico do percurso. A partir da até Constança o caminho "abre" um pouco e permite correr mais à larga. Também permite que sigamos na conversa e como sempre que me distraio um pouco, torço o pé. Nada de muito grave, nem chego a parar, mas fica a dorzinha e o espírito nunca mais volta a ser o mesmo.
A grande equipa apanhada em plena acção! Com o João sempre na dianteira.
Passamos por Constança e entramos num trilho no leito do Rio Tejo. Por vezes passamos tão perto da linha de água que se o Rio tivesse mais uns centímetros de caudal estaria submerso. É um percurso muito belo e praticamente plano o que permite efectuar o troço da prova mais rolante (e praticamente único). Para completar o quadro no fim deste troço temos a vista deslumbrante do Castelo. Aqui "obrigo" o meus companheiros a parar e imortalizar o momento.
O postal para mais tarde recordar.
E depois de escalar mais uma subida alcançamos o 4º abastecimento no 27km. Desta vez levámos o nosso tempo. Já tínhamos mais de 4h de prova e ainda acreditávamos que as 6h eram possíveis. Mas nada nos podia preparar para o que iríamos apanhar a seguir.

O telemóvel há muito que não saía do bolso e a partir do 30km o meu cérebro deixou de ter disponibilidade para registar a experiência para se focar unicamente em controlar as ameaças de caimbras e evitar encharcar os pés, batalha que perdi no 33km. Provavelmente esta parte do percurso era igualmente bela, mas para mim apenas ficou registado o sofrimento. O Sílvio bem tentava manter o moral e decidiu que tínhamos de tirar uma foto no 34km para marcar o nosso record em trilhos.
O sorriso digno de um oscar. Aqui estava mais com vontade de chorar...
A lama começou a surgir com mais intensidade mas a bem ou a mal lá chegámos ao 5º abastecimento no 35km. E aqui cometi o último erro. Não recuperei o suficiente, não hidratei o suficiente e não comi o suficiente. Estava a ficar saturado e queria chegar o mais rapidamente possível ao final.

Obviamente que os sintomas não diminuíram e numa descida um pouco mais exigente no 37km tenho uma caimbra no gémeo esquerdo. Mas uma senhora caimbra que me joga para o chão. Eu bem grito (ou pelo menos o meu cérebro gritou bem alto mas pelos vistos não foi assim tão sonoro) mas como ia atrás os meus companheiros não se apercebem e depressa os deixo de ver. Fico ali o que me parece uma eternidade a alongar até que aparece o João que entretanto voltou para trás. Eu bem insisto para que continuem porque vou ter que reduzir ainda mais o ritmo, mas  eles persistem e continuamos todos juntos.

Felizmente recupero um pouco mas apenas para entrar naquilo que denominei como o calvário de lama.

Lama?!? Qual lama?!?!
Por esta altura já estou completamente curado da síndrome de maçarico e nem tento evitar a lama e a água. Nunca mais me vou queixar de ter de molhar os pés! Perdi a conta aos túneis sob as estradas por onde passámos que, com as chuvas dos dias anteriores, estavam cheios de água. Obviamente que nesta fase o meu discernimento já estava um pouco toldado mas algumas destas passagens eram desnecessárias e revelavam laivos de sadismo, como por exemplo o túnel na foto abaixo.
Este era o lado raso... No outro lado a "água" chegava quase à cintura.
Os km's iam passando muito devagar num ciclo interminável de lama e água até que, no meio de um pântano chegámos ao último abastecimento. Era suposto estar no 38km mas o GPS já marcava 40,5km. Esta discrepância não agoirava nada de bom. A cada custosa centena de metros o ânimo esmorecia e só queria que chegasse o 42km. Quando o relógio apitou para o 42km no meio de um lamaçal tive um momento de desespero. Considerei seriamente em sentar-me no chão e gritar "Quero o pavilhão já!", mas depois o facto de ter lama até ao tornozelo ajudou a desistir da ideia e continuar a arrastar-me.

No mesmo instante em que passamos o 43km deixamos a lama para trás e chegamos finalmente à civilização. Sonho por momentos que o pavilhão está já ali e fico irritado com o senhor da organização que me manda virar à esquerda e entrar no Parque Verde do Bonito. Fazemos todo o parque e continuo a não ver o pavilhão. Já tudo me irrita e o atleta que segue comigo sempre a vociferar com dores num joelho também não ajuda. Mais um ribeiro, mais uma barreira para subir e passamos o 44km e pavilhão nada. Acelero o ritmo, as pernas aguentam. Volto a acelerar e tento apanhar o Sílvio. E de repente lá este ele, nunca tinha desejado tanto ver um edifício como naquele momento. O Sílvio espera por mim e entramos no pavilhão juntos e parece que estamos a acabar a maratona olímpica! O João havia terminado uns minutos antes. Um senhor da organização aproxima-se e insiste em colocar-me a medalha ao pescoço. Fico ali meio zombie a tentar comer qualquer coisa que nem me lembro de tirar mais fotos.


Foram 7h08m, quase 45km e 1150m D+ de aventura em excelente companhia. Sendo que a companhia foi o motivo do sucesso, não tenho dúvida nenhuma que se estivesse sozinho o desfecho não teria sido este. O meu muito obrigado!

O pessoal estava com pressa para voltar para Lisboa. Pelo que foi só o tempo de tomar um duche e enfiar-me na parte de trás do carro, local onde estava quando tive a mais dolorosa caimbra que já alguma vez tive, agora no gémeo direito e sem espaço para alongar.
Sim a minha medalha diz 44km!
O pensamento mais recorrente nesta prova foi: não tenho vida para isto. Este tipo de provas requer treinos muito longos e actualmente isso não é possível. Antes de fazer esta prova o meu mantra para Sesimbra era: são só mais 13km. Agora é mais: como é que é possível sobreviver a mais 13km! Estou com bastante receio de Sesimbra. Felizmente o tempo amortece tudo e como estou a escrever este post quase duas semanas depois dos acontecimentos Sesimbra já não me parece assim tão impossível...

16 comentários:

  1. Ahhh...grande Rui....bem vindo aos mega, híper empenos e sofrimentos, que fazem parte da nossa "aprendizagem" neste mundo dos trail. "no pain, no gain"...no teu relato já mencionas alguns erros que cometeste (ritmos demasiado vivo ao inicio, hidratar e alimentação tardia, etc)...acho que da próxima vais corrigir e cometer outros :)....fizeram uma bela prova, superaste a tua distância mais longa, o tempo em prova mais longo....muita coisa positiva portanto ;)....Parabéns por isso, e Sesimbra vai correr bem....Abraço

    P.S. Não vais a Pampilhosa este ano?

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    1. Obrigado Carlos. Eu também espero que Sesimbra corra bem... estou cá com uma miufa...
      Pampilhosa ainda está em ponderação embora a decisão só seja tomada depois de Sesimbra...
      Abraço.

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  2. Bom relato da prova. Eu por acaso referi que íamos num ritmo muito alto ao início, mas vocês os dois iam loucos com a pica toda.... Em Sesimbra vamos na paz ao início e no final se tivermos forças logo aceleramos. Um abraço

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    1. É verdade Sílvio! Tu eras a voz da sensatez mas o pessoal queria era galgar os montes... Sim, em Sesimbra muita calminha e litros de isotónico!
      Abraço!

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  3. Excelente! Muitos parabéns, mais uma vez! Eu era um dos que achava que era um bom trail para estreias, aliás, as stats da prova levavam a pensar isso. Mas lá está, se há alguém inexperiente no trail sou eu! Também vou a Sesimbra, mas aos 21km. Diz que é fácil e rolante eheheh

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    1. Pois é Filipe, pelos vistos este ano a organização decidiu inovar... Então decidiste dar outra oportunidade aos trails? :P Pode ser que nos voltemos a encontrar! E não te esqueças do copo!
      Abraço.

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  4. Grande Rui!
    Parabéns! Conseguiste ultrapassar todas as dificuldades. E agora podes pensar isso mas daqui a menos de 1 mês vais ter mais uma ultra em cima! :)
    Beijinhos e força!

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    1. Obrigado Isa. "Ultrapassar" talvez seja uma palavra muito forte... foi mais ser "rebocado" por todas as dificuldades... :)
      Bjnhs e boa recuperação!

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  5. Eu sempre desconfiei da parte rolante, pelo menos ao início ( e no meio e até o fim :)) mas isso sou eu que sou da zona mas não percebo nada disto de Trail.
    Resumindo, foi duro mas a acabaste e sabes que erros foram cometidos.
    Na próxima...olha, vai, em boa companhia e depois conta.
    Abraços

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    1. Obrigado! Não sei se foram só estes os erros que cometi mas como tudo na vida vamos aprendendo e tentando não repetir os mesmos!
      E sim se não fosse a companhia não havia próxima tão cedo...
      Abraço!

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  6. Bom relato, Rui! Foi mesmo isso, excepto que tive a sorte de não ter cãibras e por isso ter ficado tudo bem bem!
    No entanto, acho na mesma que acrescentar mais 10km é de loucos... mas quero! :)

    Beijinhos e continuação de bons treinos, vais conseguir na "boa"!

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    1. Obrigado, vou reter esse na "boa"! :) Afinal dizem que pensamento positivo é metade do caminho!
      Bjnhs e bons trilhos!

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  7. Muito bem.
    Eu, por motivos muito tristes, fui obrigado a voltar a Lisboa quando me estava a equipar, mas para o ano espero viver tudo isso.
    Mas ler isto e pensar que vou a Portalegre... Medo. Muito medo...

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    1. Olá João, lamento teres tido que desistir ainda por cima por dessa forma. Pelo que tenho ouvido o UTSM é outra liga...
      Boa sorte! Abraço.

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  8. Olá Rui!
    As primeiras experiências são boas para nos apercebermos dos erros a evitar em futuras experiências parecidas.
    O teu texto e as fotos transmitem muito bem tudo o que viveste em Almourol!
    Força para Sesimbra!

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    1. Obrigado Sofia!
      O objectivo é mesmo esse, quando um dia reler estes textos lembrar-me como foi correr em Almourol!
      Bjnhs.

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